(1ª PARTE)
Parte das
reflexões e das pesquisas sobre aquilo que hoje designamos de comportamentos desviantes,
delinqüentes ou criminosos, consoante as perspectivas teóricas, tem-se
traduzido numa única e simples
questão: por que motivo, ou motivos, alguns indivíduos parecem mais
predispostos que
outros ao cometimento de delitos?
As respostas têm variado consoante as épocas históricas e o manancial de conhecimentos teóricos e empíricos disponível.
Vejamos um vídeo:
As respostas têm variado consoante as épocas históricas e o manancial de conhecimentos teóricos e empíricos disponível.
Vejamos um vídeo:
Assim, num primeiro
momento, os comportamentos delinquentes foramexplicados através do recurso a
fatores externos aos homens mas, de alguma forma inexplicáveis,uma vez que
foram remetidos para as causas sobrenaturais subjacentes
a todo o tipo de eventos e decomportamentos.
Os comportamentos delinquentes, e
as suas causas e as suas relações, eramsimplesmente atribuídos à ação de deuses
ou outros poderes sobrenaturais.Num segundo momento, os comportamentos
delinquentes passaram a ser explicados através do
recurso a fatores internos ou, melhor dizendo, a qualidades intrínsecas a
alguns indivíduos, mesmoque relativamente abstratas, como a maldade, a
imoralidade, o egoísmo ou a desonestidade.
Embora ainda persistissem explicações
de natureza externa, essencialmente sobrenaturais, a percepção deque alguns
seres humanos transportavam em si uma incapacidade para se conformar às
exigênciasdas sociedades modernas, intrinsecamente justas e racionais, começou
a tornar-se preponderante.
Num terceiro momento, já dominado por paradigmas científicos
ou «positivos», oscomportamentos delinquentes passaram a ser explicados através
do recurso a característicasbiológicas, psicológicas ou sociais específicas e
passíveis de serem facilmente observadas emedidas.
Ao longo deste
percurso, apenas um pressuposto se manteve inalterado.
Quem se envolve
emdelitos é, necessariamente, diferente, e só essa diferença, seja ela
biológica, psicológica ou social, permite explicar, e eventualmente prever e
prevenir, os comportamentos delinquentes.
Este pressuposto marcou todas as
reflexões teóricas que foram desenvolvidas até quase ao final do séculoXX.
No
campo da biologia, por
exemplo, a diferença foi remetida para atavismos que semanifestavam, quer a um
nível intelectual, quer a um nível físico.
Até pelo menos ao final da
segundagrande guerra mundial, os atavismos foram concebidos como sendo
hereditários, concepção quelegitimou, entre outras práticas «preventivas», o
isolamento dos «criminosos» ou a sua esterilizaçãoforçada, por forma a que não
se pudessem reproduzir, e, no limite, a sua eliminação física.
No campo da psicologia, a
diferença foi remetida, quase invariavelmente, para a questão dapersonalidade e
dos seus diferentes traços, o que sustentou toda uma série de estudos e
deprogramas de tratamento e de adaptação forçada da personalidade, imatura,
impulsiva ou agressiva,do delinquente, às características e às exigências da
vida em sociedade.
A própria sociologia não
escapou a este pressuposto. Os delinquentes foram quase sempreconceptualizados
como sendo diferentes, mesmo que essa diferença se situasse nas diferentes tensões
ou pressões sociais exercidas sobre alguns grupos sociais, e tal motivou todo
um conjunto deprogramas de redução dessas tensões ou pressões como principal
estratégia de prevenção decomportamentos delinquentes.
O grande marco a
inaugurar verdadeiramente os estudos criminológicos encontra-se nosurgimento do Positivismo e, mais
especificamente, da chamada "Antropologia
Criminal".
Nessa ocasião opera-se uma mudança singular no que
diz respeito ao objeto das preocupações da ciência criminal. Enquanto a Escola
Clássica Liberal preocupava-se com o estudo dos postulados jurídico –penais,
procurando desenvolver uma formulação teórico — dogmática do Direito Penal, o
advento da Antropologia Criminal propicia uma alteração de perspectiva,
voltando os olhos da pesquisa científico— criminal para o estudo do fenômeno do
crime e, especialmente, da figura do criminoso.
O
Positivismo exerce grande influência na conformação dessa nova postura, pois
que defende a irradiação do método científico para todas as áreas do saber
humano, até mesmo às da filosofia e da religião. Nesse contexto, o Direito e
especificamente o ramo jurídico — criminal, também passaram a sofrer
influências importantíssimas desse referencial teórico então dominante.
O
Positivismo Jurídico aproxima o Direito, o quanto possível, ao método das
ciências naturais,objetivando limitá-lo àquilo que tenha de concreto,
observável, passível de mensuração e descrição.Por isso é que seu resultado
acaba sendo a limitação do Direito às normas legais, evitando a consideração de
fatores axiológicos, metafísicos etc.
O afastamento rigoroso das questões que
não fossem subsumiveis ao método de experimentação científico, ensejou, no bojo
das ciências criminais, o nascimento da busca de relações e regras constantes
que tivessem a capacidade de esclarecer o fenômeno da criminalidade. A
Criminologia exsurge dessa efervescência, desse entusiasmo pelo método
científico, dando destaque nunca dantes constatado ao estudo do homem criminoso
e à pesquisa das causas da delinqüência.
Em
meio a esse clima, a criminalidade somente poderia ser estudada com sustentação
em dados empíricos ofertados pela demonstração experimental de leis naturais
seguras e imutáveis.O criminoso passa a ser objeto de estudo, uma fonte de
pesquisas e experimentos com vistas à descoberta científica das causas do
fenômeno criminal.
A
obstinada busca de causas explicativas do agir criminoso em oposição às
condutas conforme a lei, somente poderia resultar na negação do "livre arbítrio",
apontado até então pela Escola Clássica como verdadeiro fundamento legitimador
da responsabilidade criminal.É claro que a noção de livre arbítrio não poderia
servir a uma concepção positivista, pois que ensejava um total descontrole e
imprevisibilidade quanto às práticas criminosas.
A postura positivista não
se coaduna com tal insegurança. Deseja apropriar-se de um conhecimento que
propicie o domínio seguro de leis constantes a regerem o mundo e, por que não,
o comportamento humano, inclusive aquele desviado. A conseqüência imediata
foi a consideração do criminoso como um "anormal". A partir
daí,bastaria dotar o pesquisador de instrumentos hábeis a selecionar, de forma
científica, os criminosos(anormais), em meio à população humana aparentemente
homogênea ou normal.O primeiro grande passo dado por um pesquisador nesse
sentido foi a doutrina preconizada por Cesare Lombroso, destacando-se a
publicação de sua conhecida obra "O homem Delinqüente",em 1876.
Lombroso
entendia ser possível detectar no criminoso uma espécie diferente de "homo
sapiens", o qual apresentaria determinados sinais, denominados
"stigmata", de natureza física e psíquica. Esses sinais
caracterizariam o chamado "criminoso nato" (forma da calota craniana
e da face, dimensões do crânio, maxilar inferior procidente, sobrancelhas
fartas, molares muito salientes,orelhas grandes e deformadas, corpo
assimétrico, grande envergadura dos braços, mãos e pés, pouca sensibilidade à
dor, crueldade, leviandade, tendência à superstição, precocidade sexual etc.).
Todos
esses sinais indicariam um "regresso atávico", tendo em conta sua
clara aproximação com as formas humanas primitivas. Ademais, Lombroso intentou
demonstrar uma ligação entre a epilepsia e aquilo que chamava de
"insanidade moral".Percebe-se claramente o conteúdo determinista das
teorias lombrosianas, o qual conduziria a importantes conclusões e
conseqüências para a Política Criminal.
Ora, se o criminoso estava exposto à
conduta desviada forçosamente, tendo em vista uma congênita predisposição,
seria injusto atribuir-lhe qualquer reprovação que fosse ligada ao desvalor de suas
escolhas quanto à sua conduta, isso pelo simples motivo de que não atuava por
sua livre escolha, mas sim dirigido por forças naturais irresistíveis a
impeli-lo para os mais diversos atoscriminosos. Assim sendo, jamais poderia ser
exposto a apenações morais e infamantes.
Não obstante,sendo as práticas
criminosas componentes indissociáveis de sua personalidade, estaria a sociedade
legitimada a defender-se, impondo-lhe desde a prisão perpétua até a pena de
morte.
A
doutrina lombrosiana, no entanto, foi grandemente criticada e desmentida por
estudos ulteriores que comprovaram a inexistência de indícios seguros a
demonstrarem qualquer diferença fisiológica, física ou psíquica entre homens
que perpetraram atos criminosos e indivíduos cumpridores da lei.
Não
obstante, deve ser atribuído a Lombroso o mérito de ser o primeiro a
impulsionar os estudos que dariam origem à Criminologia. Ele iniciou, com a sua
Antropologia Criminal, os estudos do homem delinqüente, razão pela qual tem
sido considerado o verdadeiro "Pai da Criminologia".
A partir dele
começam os mais diversos campos de pesquisa de elementos endógenos capazes de ocasionarem
o comportamento criminoso.Inúmeras investigações científicas nos mais variados
campos das ciências naturais e biológicas lograram conformar um conjunto de
teorias elucidativas do fenômeno criminal.
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