terça-feira, 19 de abril de 2011

A tortura em Delegacia, a prova da falência de um Estado

A história da violência promovida contra um suposto estuprador nas dependências da delegacia da Cidade de Igaci/AL, ocorrida nesta segunda semana de abril, me causou um asco frente a brutalidade pela qual um ser humano pode ser submetido.

O cidadão fora abusado pelos demais presos, torturado, e submetido as piores sevícias que a um homem pode ser feito. E Pior, o vídeo com o acusado sendo debochado pelos demais presos foi parar na internet.

A repercussão deste caso só veio a tona porque tudo está indicando que o cidadão é inocente das acusações, e que tudo não passou de uma situação causada por vingaça.

Sem fazer julgamento sobre a existência ou não do crime supostamente realizado pelo acusado, e sem aqui tentar buscar culpados pela denuncia, o que mais choca nesta situação é a tortura, e mais do que isso é a tortura promovida dentro das dependências de uma delegacia.

Que mundo é esse que vivemos? Como situações como essas podem ocorrer em pleno século XXI. E aqui não se está defendendo bandido, está se defendendo um princípio de garantia que atinge a todos, inclusive a quem me lê neste instante, pois, imagine-se sendo acusado de algo que mesmo sabendo não ser verdade você corre o risco de ser violentado e agredido antes mesmo de conseguir demonstrar inocência.

De todas as violações de direitos humanos, a tortura é a mais odiosa das práticas, sendo também uma das mais frequentes no Brasil, segundo o relatório de Nigel Rodley, Relator da ONU enviado para verificar o tema no nosso País.

Utilizada em todo o território nacional por agentes públicos das forças de segurança como instrumento de coação para obter confissões forçadas, chega a ser considerada por analistas como o principal mecanismo de investigação policial no país. Também é largamente aplicada como meio de punição e imposição de disciplina em presídios e em centros de cumprimento de medidas sócioeducativas para adolescentes, além de meio de extorsão econômica aplicada contra suspeitos e autores de crimes.

Estatísticas citadas em reportagem da revista Veja indicam que cerca de 15 mil policiais – representando 3% do efetivo das forças policiais em todo o Brasil - são acusados de homicídio ou graves lesões a cidadãos. Enquanto isso, há no país uma população carcerária de 200 mil pessoas - o que é pouco mais de 0,1% de toda a população. Tais dados indicam que a proporção de policiais envolvidos em crimes no país é bem maior que a parte não policial da população.

Segundo a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, de 121 denúncias de tortura e espancamento recebidas durante um ano, 80 converteram-se em inquéritos, envolvendo cerca de 200 policiais. Dessas denúncias, 67 referiam-se a torturas cometidas dentro de delegacias da Polícia Civil, responsáveis pela investigação. Os outros 54 casos tinham como acusados policias militares, que fazem o policiamento ostensivo e preventivo. Isso demonstra que ocorrem mais agressões por policiais quando esses têm dominados os agredidos do que no enfrentamento com eles.

As pessoas vítimas de tortura e que encontram dificuldade em acessar a Justiça para denunciá-la e obter reparação são em geral pobres e sem influência econômica, social ou política. Uma parte numerosa é de pessoas detidas acusadas ou suspeitas de delitos. Durante os interrogatórios ou mesmo no ato da detenção são submetidas à tortura e outros tratamentos desumanos. Para arrancar uma confissão do acusado sobre a pratica de determinado ilícito ou para extorquir uma informação útil, a tortura é empregada como instrumento de apuração de crimes.

Nos presídios e delegacias superlotados, é disseminada a prática da tortura como meio de manutenção da disciplina e como castigo aos que tentam fugir.

A maioria desses cidadãos carece de educação fundamental e apresentam ignorância jurídica, o que concorre para dificultar a realização de seus direitos.

Isso parece encorajar os torturadores a perpetrar os maus-tratos contra seus portadores. Essa atitude sustenta-se em tradições sociais e culturais discriminatórias e restritivas da liberdade, legado do patrimonialismo escravista, segundo o qual delinquentes e pobres não são reconhecidos como titulares de direitos. Os algozes sentem-se então seguros de sua impunidade, pois percebem que as vítimas, além de desprezadas socialmente, desconhecerem seus direitos e não estão equipados para transitar na intrincada estrutura judiciária. Resulta que tais pessoas estão virtualmente incapacitados de recorrer à justica.

Acreditar que bandido precisa sofrer para se arrepender do crime é concluir que somos incompetentes para lidar com o fenômeno da criminalidade.

A lei não foi feita para proteger criminoso, porém, não pode expô-lo a situações de degradação como a acima narrada.

Se concordarmos com isso estamos propiciando que nossos filhos, nossos parentes, e até nós mesmos possamos ser torturados com a ciência e conivência do Estado.

Aqui eu faço minhas palavras o texto que segue abaixo, tirado de um artigo do presidente da OAB/RJ:




"A tortura praticada por agentes públicos em delegacias e presídios é, no Brasil e em países que já passaram por ditaduras, quase um velho hábito que se propaga no rastro da impunidade e da falta de controle do Estado. Há também silêncio na sociedade quando se fala em direitos humanos dos presos. Essa reserva, às vezes explícita,outras camuflada, acaba se refletindo na ineficiência estatal em evitar ou coibir as agressões.

A Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, por exemplo, reuniu um acervo de vídeos com relatos de pessoas que, entre outras denúncias, acusam policiais de tê-las agredido em delegacias. No entanto, tais acusações não constam dos inquéritos envolvendo os denunciantes. As vítimas tiveram medo de falar. Na CNBB, há numerosos registros de torturas envolvendo agentes d o Estado.

Em 2005, o governo federal criou o Plano de Ações Integradas para a Prevenção e o Controle da Tortura no País. Apenas 12 estados aderiram, criando comitês, e o Rio de Janeiro foi um dos pioneiros. A Lei5.778/10, que instituiu a criação do comitê e do mecanismo estadual de combate à tortura, foi sancionada em 2010, mas a Assembleia Legislativa ainda não votou o projeto que cria os seis cargos necessários à sua atuação.

Enquanto isso, o governo federal conclui o projeto que cria o Mecanismo Nacional de Combate à Tortura, mas, ciente das dificuldades que terá para aprová-lo no Congresso rapidamente, a ministra da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, anuncia para junho a formação de um grupo com representantes do Conselho Nacional de Justiça, da Câmara dos Deputados, da Pastoral Carcerária e do governo para fiscalizar as denúncias de torturas no sistema prisional. Tem todo o nosso apoio."

Rio de Janeiro, 19/04/2011 - O artigo "A tortura em silêncio" é de autoria do presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Wadih Damous, e foi publicado no jornal O Dia (RJ):

Exame de raios X para comprovar ingestão de droga é prova legal

Exame de raios X para detectar ingestão de cápsulas de cocaína e aplicação de medicamento para que organismo expulse a droga não violam os princípios de proibição à autoincriminação e de proteção à dignidade da pessoa humana. A conclusão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Com esse fundamento, a Turma negou habeas corpus em favor de quatro pacientes presos por tráfico internacional de drogas. Dois deles teriam ingerido aproximadamente um quilo de cocaína, distribuído em 130 cápsulas as quais seriam levadas para Angola. Todos foram condenados à pena de cinco anos e dez meses de reclusão.

A defensoria pública pleiteava a anulação do processo desde o recebimento da denúncia em relação a dois deles. Alegava que a submissão dos pacientes ao exame de raios X ofenderia o princípio da não autoincriminação. Alternativamente, foi pedida a aplicação da redução de pena prevista para réus primários, de bons antecedentes, que não se dediquem ao crime ou participem de organização criminosa, contida no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei n. 11.343/2006.

Para o relator, ministro Og Fernandes, o exame de raios X não é procedimento invasivo ou degradante que viole direitos fundamentais. Ademais, não havia nos autos qualquer comprovação de abuso por parte dos policiais tampouco de recusa dos pacientes na realização do referido exame. Ao contrário, teriam confessado a prática criminosa, dando, inclusive, detalhes da ação que culminaria no tráfico internacional do entorpecente, o que denotaria cooperação com a atividade investigativa.

Considerando, ainda, que o eventual rompimento das cápsulas poderia ocasionar a morte, o ministro enxergou na realização das radiografias abdominais e na aplicação de medicamento para antecipar a saída da droga verdadeira intervenção estatal para a preservação da vida dos pacientes.

Já a incidência do redutor da pena foi rejeitada pelo relator, porque o processo evidenciava a participação dos réus em organização criminosa, com divisão de tarefas e minucioso preparo das cápsulas de cocaína, sem falar na grande quantidade de droga apreendida. Além disso, para alterar o mesmo entendimento adotado pelas instâncias ordinárias, seria necessário o reexame de provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.


Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa